Impacto em xeque: como evitar a burocracia?

Autores: Inês Lemos e Florian Paysan 

A avaliação de impacto está evoluindo de uma prática recomendada para uma exigência inevitável. Cada vez mais, financiadores demandam transparência, gestores buscam credibilidade e a sociedade cobra resultados concretos. Além disso, especialistas internacionais reforçam que a avaliação de impacto vai além de uma simples prestação de contas: ela é uma ferramenta estratégica de gestão. De acordo com o NPC (New Philanthropy Capital), medir e aprender com a avaliação ajuda a aprimorar o trabalho realizado, desde compreender o que gerou resultado até promover melhorias contínuas. 

Contudo, há um desafio central: como medir transformações complexas de longo prazo em relatórios anuais de curto prazo? Este artigo analisa essa tensão e apresenta alternativas práticas para superá-la. 

A armadilha do impacto no curto prazo 

A Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) reforçaram a importância da avaliação de impacto como instrumento para medir progresso das políticas públicas e das intervenções do terceiro setor, em áreas como redução da pobreza, erradicação da fome e educação de qualidade. Rapidamente, essa lógica foi incorporada pelos financiadores das Organizações da Sociedade Civil (OSCs), que passaram a avaliar os seus portfólios de projetos e exigir relatórios de impacto que vão além do simples número de beneficiários. 

O problema é que avaliar impacto de forma consistente não é simples, requer capacidades técnicas que a maioria das OSCs não possui, e, sobretudo, exige um monitoramento de longo prazo. Pesquisa do IDIS (2022) mostra que 74% das OSCs brasileiras enfrentam dificuldades para medir e comunicar seus resultados por falta de equipe e de ferramentas adequadas. Este desafio é ainda maior quando os financiadores pressionam por redução de custos e exigem resultados no curto prazo. 

Diante disso, muitos relatórios de impacto se transformam em documentos burocráticos, produzidos apenas para cumprir requisitos, sem gerar aprendizado ou influenciar decisões de investimento. 

Essa dificuldade se torna ainda mais evidente quando contrastamos a lógica do terceiro setor com a do mercado privado. 

O paradoxo dos resultados: setor privado vs. terceiro setor 

As empresas no setor privado são também cobradas por seus investidores para apresentar resultados. Contudo, nesse caso, as avaliações e decisões relacionadas ao negócio têm um impacto imediato nas decisões estratégicas, visando gerar mais lucro e, portanto, investimento constante em ferramentas, métricas e melhoria contínua.  

Já no terceiro setor a lógica é diferente. A cobrança dos investidores é semelhante, mas os recursos quase nunca acompanham a demanda. Em outras palavras, provar que uma determinada intervenção gerou transformação, raramente, se converte em um aumento de receita ou da sustentabilidade financeira da organização. Assim, a conta não fecha! 

Caminhos para superar essa contradição 

Para que a avaliação de impacto deixe de ser uma formalidade, e se torne uma ferramenta de gestão estratégica, é necessário ressignificar essa prática, identificando as contradições intrínsecas com base em três recomendações: 

  1. Construção colaborativa da tese de impacto: Avaliar impacto começa na definição do que é “benefício” ou “valor” para a sociedade. Os indicadores devem ser definidos em colaboração com os financiadores, desde a concepção dos projetos, para que eles entendam melhor as condições e os limites do exercício. Assim, reconhece-se a realidade de campo e se priorizam métricas que façam sentido para ambos, mesmo que não representem ainda o impacto final desejado no longo prazo. 
  1. Avaliação contínua: No lugar de avaliações que olhem apenas o passado. É possível implementar processos de monitoramento contínuo com dashboards e/ou infográficos mensais. Assim, os diferentes atores envolvidos poderão tomar decisões estratégicas no decorrer da intervenção, e não apenas após o encerramento. 
  1. Usar a inteligência artificial para ampliar capacidades: Ferramentas de inteligência artificial já são aliadas viáveis para OSCs. Hoje é possível automatizar tarefas como criação de formulários, organização de dados, redação de relatórios e construção de dashboards, ampliando a capacidade de análise sem aumentar os custos operacionais.  

Esses três caminhos não são apenas ajustes técnicos: representam uma chance de transformar a avaliação de impacto em motor de inovação e confiança para OSCs e investidores. 

Conclusão: impacto com propósito, não com burocracia 

A avaliação de impacto não deve ser um obstáculo burocrático, mas uma ponte de confiança capaz de atrair mais apoios e garantir a perenidade das causas sociais. Para isso, é de suma importância que OSCs e financiadores encontrem um consenso sobre os resultados de mudança desejados e mensuráveis, respeitando os limites das equipes e os ritmos de transformação nos processos sociais. 

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